quinta-feira, 26 de fevereiro de 1998

CRÍTICA: AMISTAD / Um filme embaraçosamente ruim

Esta foi a primeira crítica que escrevi pro jornal, e foi assim que saiu. Em 1998, faz tempo...

Steven Spielberg ataca novamente. Desde 1993, ele vem alternando filmes abertamente comerciais com produções que talvez, quem sabe, possam ser consideradas "artísticas" e abocanhar algumas estatuetas do Oscar. Se deu certo com A Lista de Schindler, por que não funcionaria com Amistad?
Um dos problemas, que contamina praticamente todo o circuito cinematográfico americano, é que Amistad tenta ser artístico sem abrir mão de ser também comercial, para recuperar os US$ 80 milhões investidos. Porém, só consegue ser pretensioso, e como tal foi descartado pelo Oscar.
Apenas quem não viu o filme pode ter se espantado com as indicações, que preferiram o britânico e alternativo Ou Tudo ou Nada e só conferiram quatro para Spielberg - melhor ator coadjuvante (Anthony Hopkins), fotografia, figurino e música. Não deve ganhar nenhuma, enquanto houver justiça e bom senso.
Amistad está cheio de boas intenções, mas, até aí, também está o inferno. Conta a história de um caso verídico, ocorrido em 1839, quando 44 negros levados ilegalmente da África para Cuba se rebelam no navio e são capturados pelos americanos. Então tem início um drama de tribunal daqueles que você já viu melhores, incluindo o recente Advogado do Diabo. Os Estados Unidos devem decidir se cedem às pressões espanholas (e sulistas) e encaminham os 44 prisioneiros como escravos para Cuba, ou se os libertam para que possam voltar para casa.
Spielberg bem que tenta fazer com que o mártir seja Cinque, um dos amotinados, mas os verdadeiros heróis acabam sendo o advogado Baldwin e o ex-presidente John Quincy Adams, ambos abolicionistas e brancos. Inclusive, há um discurso vergonhoso nesse sentido de orientar o público, como se talvez nós, os espectadores, pudéssemos não reparar que a intenção é retratar Cinque como herói. Tudo mastigadinho, mas não adianta. Cinque nem ao menos fala a "nossa" língua, o inglês.
É interessante como os americanos quase sempre escalam atores britânicos para retratarem seus ex-presidentes. Parecem querer dizer que os presidentes são pessoas honradas e finas demais para serem personificadas por um, digamos, Bill Pullman, de Independence Day. Em Amistad, Hopkins, que já foi Nixon, faz um John Quincy Adams cheio de maquiagem, e Nigel Hawthorne, outro inglês, é o presidente de plantão, Van Buren.
Quincy Adams, aliás, tem um discurso revelador no final, quando pergunta à Suprema Corte: "O que estamos fazendo aqui?" Certamente o espectador se identificará, mas aí já é tarde demais. O filme está quase no fim, apesar de constantemente dar a impressão de que não vai acabar nunca.
Há inúmeras cenas daquelas bonitas e emocionantes, que parecem ser tiradas de um imenso arquivo. Você já viu um monte delas. É uma fotografia padrão Oscar, com lindos clichês como homem-na-chuva-à-noite e barco-a-vela-com-sol-ao-fundo. Tudo, mas tudo mesmo, pontuado com uma música melosa de John Williams. Praticamente inexistem diálogos sem música de fundo. Deve ser para criar clima, o que de fato acontece. Um clima de tédio absoluto.
Não se pode afirmar com certeza que Amistad seja o pior filme de Spielberg, porque também consta em seu currículo besteiras como Hook - A Volta do Capitão Gancho. Mas o que dizer da cena em que um dos negros se converte ao Cristianismo olhando as gravuras da Bíblia? Quando ele olha para o céu, com um olhar repleto de esperança e lágrimas, só nos resta abrir os braços e fazer o mesmo, torcendo para que Spielberg volte a fazer filmes de qualidade - não este cinemão embaraçoso.