domingo, 19 de setembro de 1999

MONTY PYTHON, PAI DO TV PIRATA, FAZ 30 ANOS

Humor da gangue inglesa sobrevive e ainda delicia videomaníacos

Em setembro, comemoram-se os trinta anos de idade de um dos grupos mais engraçados, escrachados e irreverentes do cinema e da TV: o Monty Python. Infelizmente, esta gangue inglesa partiu para carreira solo na década de 80, e um de seus integrantes morreu, mas suas influências continuam vivíssimas. Sem Monty Python não haveria TV Pirata ou seu sucessor menos sutil, o Casseta e Planeta, só para ficar no nível nacional.

Dá pra conferir alguns dos filmes do Monty em vídeo. E Agora para Algo Completamente Diferente é uma série de esquetes hilariantes e ridículos, uma ótima introdução a este tipo de humor sofisticado e tipicamente britânico. Em Busca do Cálice Sagrado é um mergulho à Idade Média, com cenas antológicas como a do cavalheiro que perde seus braços e pernas em uma batalha mas ainda quer lutar. Quando seu adversário desiste da luta já ganha, o toco de homem que sobrou grita "covarde!" (é interessante que esta comédia só foi realizada porque o beatle e fã George Harrison doou um milhão de libras ao grupo). Monty Python Ao Vivo no Hollywood Bowl é outro exemplo fascinante. E é uma pena que um de seus filmes mais conhecidos, O Sentido da Vida - aquele que contém o gordo que come até estourar -, não esteja disponível em vídeo.

Porém, o melhor da gangue é mesmo A Vida de Brian, que está completando duas décadas de existência. A história do pobre-coitado que nasce na mesma noite que Jesus e passa o resto de seus dias sendo confundido com o Messias é nada menos que um clássico. Bom, evidentemente não é para todos os gostos, principalmente para o público muito religioso, já que esta comédia tem o dom de ofender cristãos e judeus por igual.

A Igreja Católica teimou com o Je Vous Salue, Marie, de Godard, e com A Última Tentação de Cristo, de Scorsese, e ultimamente veio ameaçando com boicotes ao Dogma. Mas não disse um pio sobre o muito mais ultrajante A Vida de Brian. Decidiu simplesmente ignorar a blasfêmia e fugir da polêmica - que é o que também deveria ter feito com os outros, certo?

Depois de uma abertura inovadora, com direção de arte de primeira, os três reis magos são vistos errando o caminho e indo parar na manjedoura de Brian. O diálogo que se segue é absolutamente nonsense. Mais adiante, o Brian já adulto tenta ouvir o Sermão da Montanha, mas há muita gente, o som é ruim e alguns "ouvintes" iniciam uma briga. Então ele vai para um apedrejamento, onde a participação de mulheres é proibida, o que obriga todas as ávidas a jogarem pedras a usarem barbas postiças e disfarçarem a voz fina.

No Coliseu, que tem sacrifícios na matinê para crianças, Brian vende guloseimas e junta-se a um grupo judeu revolucionário, que quer derrubar os romanos. Antes, precisa passar por um teste, pichando "Romanos vão embora". Como seu latim não é bom, um soldado romano o corrige e o pune: "Agora escreva isso de novo cem vezes".

O filme mostra o povo disposto a seguir os falsos profetas, e Brian, a contragosto, logo ganha seus fiéis seguidores. Qualquer coisa que ele faz é tida como milagre, qualquer sandália perdida vira objeto de culto.

No final, Brian - assim como uma multidão inteira - é crucificado. Um sorridente e afável soldado romano com uma lista nas mãos recebe as futuras vítimas com o comentário "Crucificação? Ótimo". Acontece então o hino do alto-astral e do otimismo, com todas as pessoas pregadas nas cruzes balançando a cabeça e cantando "Veja Sempre o Lado Bom da Vida" (esta música foi recentemente regravada por Art Garfunkel para Melhor é Impossível). A canção traz ainda esta pérola, que sintetiza o pensamento do Monty Python: "Se do pó viestes e ao pó voltarás, o que tens a perder?". Pois é, é de se pensar.

domingo, 12 de setembro de 1999

CRÍTICA: DE OLHOS BEM FECHADOS / Um filme que pisca

Último trabalho de Kubrick é inquietante, mas está longe de ser uma obra-prima

É difícil analisar De Olhos Bem Fechados, último filme de um gênio, sem se lembrar a toda hora de seu diretor, Stanley Kubrick. Isso, de não separar autor da obra, é frequente, ainda mais quando o realizador morre logo em seguida. Mas a pergunta que não quer calar, e que deve ser considerada, é: o que acharíamos do filme se ele não fosse de Kubrick?
De Olhos Bem Fechados é interessante, sem dúvida alguma, mas inconsistente. É frouxo, e faz que pensemos o tempo todo que Kubrick faleceu antes de realmente terminá-lo. Tem toda a pinta de obra inacabada e imperfeita. Agora, não deixem que digam que é chata, pois não é, em nenhum momento. É um filme estranho, não sujeito a classificações, adulto, inquietante, insatisfatório.
Começa bem, com um Tom Cruise meio que marido típico, desses que não olham mais para a mulher. Nicole Kidman, sua esposa, radiante em um vestido de festa, implora tanto por um elogio que afinal o recebe, sem que Tom, no entanto, tenha lhe dirigido o olhar. Não é isso, claro, que nos informa que o casamento não vai bem, e sim o comportamento de Nicole, que flerta com um cavalheiro, que discute com o marido, até revelar-lhe algo surpreendente: de que teria abandonado a família por um caso de uma só noite com alguém que só vira de relance.
O atordoado Tom sai por aí, talvez tentando entender a alma feminina. Acaba entrando em uma orgia ultra-secreta e as coisas se complicam. E, assim como fica incompleto, inútil até, resumir o filme, entender seus múltiplos temas é missão impossível. É sobre quê? Sobre sexo? Talvez seja, mas seria um filme de sexo sem sexo. Sobre desejo (que também inexiste), sobre a morte, sobre sonho versus realidade? Você decide.
Por falar em sexo, você deve ter ouvido falar das cenas da orgia, dos 65 segundos que foram “censurados” naquele país puritano que é os Estados Unidos. Para que De Olhos Bem Fechados não recebesse uma classificação que proibisse o drama para menores de 17 anos (matando-o financeiramente, no contexto atual de bilheteria), foram sobrepostas imagens de computador cobrindo os atos. Fique sabendo que a versão passada no resto do mundo, inclusive no Brasil, é a integral. Americano se choca à toa, não? Esses 65 segundos frustrantes mostram uma orgia ritualística, paradona, com poucos participantes e muitas máscaras. Os dois segundos de O Iluminado, quando o passado do hotel vem à tona, descobrindo dois homens fantasiados fazendo sexo oral, têm mais suspense e sabor.
Algumas cenas em De Olhos Bem Fechados estão desconexas, não parecem ter nada a ver com nada. Por exemplo, por que Tom liga para a filha do paciente que morreu, aquela que havia dado em cima dele? Tampouco fica claro por que ele procura a prostituta. Porém, nada é tão sem nexo como as bobagens que foram e são ditas a respeito. Os jornais continuam contando a história como “casal de médicos...”? Que casal de médicos, cara-pálida? Só o personagem do Tom é médico, o de Nicole é ex-curadora de arte, desempregada. Já li também que ambos seriam psicólogos, sexólogos... Correu o boato que Harvey Keitel foi despedido (e para seu lugar chamado Sydney Pollack) por ter sido pouco profissional e ter tido uma ereção com Nicole - sendo que não há uma única cena em que esses dois personagens tenham qualquer coisa ligada a sexo. E basta Tom ir a um necrotério para a internet inteira gritar, em coro: necrofilia no último do Kubrick! Tsc tsc tsc.
Entretanto, há algumas verdades a serem ditas: o roteiro é ruim, os diálogos sofríveis. Todos os personagens repetem as perguntas, na base do “O que você acha?” - “O que eu acho? Vejamos...” Se isso fosse cacoete de um só personagem, faria sentido, especialmente se fosse o do Tom, já que o cara é confuso e abobalhado (sacanagem chamarem-o de Forrest Gump), mas todos têm esse vício. E o pessoal fala devagar.
De Olhos Bem Fechados merece ser apreciado e deve ser visto. Mas não é, absolutamente, uma obra-prima. Por mais que gostaríamos que fosse, por tudo que Kubrick representa para o cinema.

sexta-feira, 10 de setembro de 1999

CLÁSSICOS DUVIDOSOS: EXTERMINADOR DO FUTURO / Reveja perto do fim do mundo

A torcida pelo fim do mundo continua forte, mesmo depois de ter sofrido mais uma derrota neste 666 invertido, ontem, dia 9/9/99 (ué, não são quatro seis de cabeça pra baixo?). Ai, ai, ai, depois rimos do pessoal da Idade Média, que seria místico demais... Neste espírito de final de feira, nada como rever O Exterminador do Futuro, que passa na Record amanhã, pra sentirmos o que é um apocalipse de verdade.

Exterminador é, acredite se quiser, uma ficção científica superbem realizada de 15 anos atrás, com um orçamento relativamente baixo. Não confunda com a continuação, o arrasa-quarteirão de 1991, que, no fundo, é até melhor. O de 84 é praticamente um trash, feito por um então diretor desconhecido e um ator musculoso de nome impronuncíavel. Hoje, todos sabem de quem se trata. O diretor é James Cameron, o rei do mundo com Titanic, cujo filme anterior a O Exterminador do Futuro foi... Piranhas 2 (as que voam)! Digamos que, ahn, ele não estava por cima na época. E o ator era o ex-Mr. Universo Arnold Schwarzenegger, que até então tinha aparecido nos Conans da vida.

Se O Exterminador do Futuro é violento? Muito. Mas é uma violência de mentirinha, dessas de histórias em quadrinhos. E a gente sabe que é uma produção barata porque todos os carros destruídos em perseguições são velhos. A idéia é extremamente inventiva: um cyborg invencível é enviado do século 21 para eliminar a mãe de quem viria a ser um revolucionário. Este manda um homem para defendê-la, e este homem calha de ser seu pai. Parece meio complicado contado, mas é ver para crer como essa história funciona bem na tela.

De acordo com a saga, ocorre uma guerra nuclear ainda este século deflagrada pelos computadores, que se tornam independentes e decidem brincar de destruir o planeta (mais detalhes em O Exterminador do Futuro 2 - O Julgamento Final). As máquinas mandam para campos de extermínio os poucos sobreviventes, até que John Connor organiza a heróica resistência humana. E é este ser que deve ser abortado mesmo antes de ser gerado.

Há várias comparações com Maria, mãe de Jesus. Sarah, interpretada por Linda Hamilton, que depois se tornaria esposa do diretor (que era então casado com a roteirista e produtora do filme) por um curto espaço de tempo (ela apareceu no Oscar e se divorciou), é uma garçonete em Los Angeles. Loira e sem dar pistas de que seria uma supermãe, ela é praticamente virgem, seguindo uma tendência do cinema hollywoodiano - aquela de que marido bom é aquele com quem só se tem que fazer sexo uma vez, antes que o relacionamento entre em crise. Parceiro bom é parceiro morto, o que deixa a sementinha e muita saudade.

Dá pra notar que Schwarza ainda não era um megastar porque ele até mostra o bumbum. Aqui, ele tem o melhor papel de sua carreira. Como o exterminador, ele é uma montanha de músculos, um robô coberto de borracha e uma fina partícula de pele, e não tem que esboçar uma reação sequer. Seu desempenho atinge o clímax quando seu andróide perde um olho e ele disfarça usando óculos escuros. Até seu leve sotaque austríaco cai como uma luva: a gente percebe que existe tecnologia alemã atrás do Mal.

O Exterminador do Futuro é um barato e um modelo para outros filmes de ação. Revela a velha máxima americana: para salvar a humanidade, eles precisam antes destrui-la (vide Kosovo etc). Isso explica o imenso número de vítimas desta ficção. Na sequência de 91, temos o auge do cinismo. O cyborg é ordenado por Connor para não matar, apenas aleijar seus inimigos. Como resultado, a maior contagem de pernetas já vista. Mas, convenhamos: o futuro não deve ser assim tão sombrio se tudo que nos espera é um Schwarza mal-encarado. Falta uma eternidade para o fim do mundo.

quinta-feira, 2 de setembro de 1999

DESCULPEM A NOSSA FALHA

Não há motivos para comemorar os 30 anos do Jornal Nacional


De uns tempos pra cá, o Jornal Nacional passou a terminar sua edição dizendo "boa noite", se a última notícia havia sido boa, ou "até amanhã", se o fato fosse trágico. Imagino que os narradores comemorariam os 30 anos de existência do noticiário com um sonoro boa noite. Enquanto nós, telespectadores, estaríamos pendendo mais para o
"até amanhã". Ou até nunca mais, que seria melhor.

Talvez a Globo tenha motivos para celebrar esses 30 anos da nossa "Voz do Brasil", versão televisiva. Ainda é o programa mais assistido no Brasil, se bem que a audiência caiu de 70 pontos de Ibope, nos anos 80, para os 40 atuais. Mesmo assim, 40 é ponto que não acaba mais, permitindo que a Globo cobre cifras estratosféricas para suas inserções comerciais.

Para qualquer pessoa que não tenha a televisão como única fonte de informação, que leia jornais e revistas e questione o que vê, o Jornal Nacional não assusta. A lavagem cerebral só funciona com aqueles (que não são poucos) que acreditam em tudo que aparece na telinha, no estilo "Deu no New York Times" - o que sai é lei. E não é à toa que o jornal se chame nacional, já que continua sendo o porta-voz da moral e de qualquer governo federal.

Quando você pensa em Jornal Nacional, quais são as primeiras imagens que vêm à sua mente (fora o Cid Moreira; deixa o velhinho no Fantástico anunciando mister M)? Eu me lembro de quando, em 1982, a Globo manipulou os números das eleições para governador do Rio - o escândalo Proconsult. O JN tentou eleger qualquer um que não fosse seu arquiinimigo Brizola na marra. Não deu certo por pouco.

Em 1984, época das diretas-já que a emissora de Roberto Marinho não mostrava, a Globo estava tão impopular (apesar de altamente popular no Ibope) que não podia sair com as caminhonetes com o logotipo, sob o perigo de ser apedrejada. O slogan para quem participou dessas manifestações era inolvidável: "O povo não é bobo; abaixo a Rede Globo!". O tempo provou que o povo é bem bobinho sim. Tanto que chorou com a morte de Tancredo. O JN do dia pôs no ar a comovida Fafá de Belém cantando o hino, e a gente se derramou pelo nosso novo Tiradentes.

Após o JN ter sido fiscal do Sarney, promovendo o cruzado a torto e a direito, foi a vez de dar uma mãozinha na eleição direta para presidente. A Globo tinha seu candidato: Collor. Dizer que a emissora só beneficiou o primeiro Fernando na edição daquele famigerado debate é injusto. Desde o início da campanha, em 1989, deu muito mais destaque e elogios a Collor. O debate editado e as imagens dos seqüestradores do Diniz com camisetas do PT foram só a gota d'água, o toque de mestre.

O orgulho global por haver eleito seu escolhido não durou muito - e talvez tenha sido aí o começo da despolitização do JN. No final de 1992, o país parou... Mas não para assistir ao impeachment de Collor, e sim por causa do assassinato de Daniela Perez. A morte da atriz recebeu cobertura mais ampla do que a deposição do presidente.

Eu ainda me lembro vagamente das eleições do ano passado, quando o JN omitiu uma candidata de SP e tirou do segundo turno a Marta Suplicy. E, com os discursos do Arnaldo Jabor, sempre bem afinados com os da Globo, o JN permanece bastante político. A própria despolitização tem por trás um projeto político. Quando o JN gasta metade dos seus escassos vinte minutos para falar da macaca Capitu, pode apostar que alguma notícia importante está sendo esquecida. Na véspera da privatização das teles, só pra ficar num exemplo clássico, o JN foi dedicado à Sasha. O diretor do JN alega que é o povo que está alienado, e que a Globo só segue a tendência. O que veio primeiro, o ovo ou a galinha?

Hoje, o JN é uma mistura de Video Show, uma vitrine para as atrações globais, como o Globo Repórter. É um programa de variedades, mas que continua cumprindo bem sua missão de alienar, disfarçar, e manipular. Não há o que festejar. Como diriam os apresentadores após a notícia ruim, até amanhã.