segunda-feira, 20 de junho de 2005

CRÍTICA: CRUZADA / Cruzada não é sobre a dita cuja

Pois é, aprendi no cinema que mil anos atrás as pessoas promoviam guerras pra impor seu estilo de vida sobre as outras. Ainda bem que a humanidade evoluiu, né? Ahn, só uma dica pra você não se decepcionar demais se for ver “Cruzada” esperando uma aula de história sobre, bem, as cruzadas: o filme não é sobre isso. Nem é esse o título em inglês, mas “Reino dos Céus”. Então não dá pra falar mal da aventura por ela não fazer o que nunca se propôs a fazer. “Cruz” trata justamente de um breve período de paz entre todas aquelas cruzadas que aconteceram na Idade Média. Acho que é 1185, algo assim. Nesta época, Jerusalém, o tal reino, estava sob o comando dos cristãos, mais especificamente de um rei leproso que permitia que os islâmicos rezassem lá. Mas tinha cristão que queria mais era liquidar todos os islâmicos e islâmico que queria tomar o poder em Jerusalém.

Como esta superprodução não é nem de longe um documentário, ela mais ou menos fala dessas coisas sob a ótica de um ferreiro que se envolve nessa salada toda. O ferreiro, e também herói do negócio, é o Orlando Bloom, que a gente já viu em “Tróia” e talvez você tenha visto em “Senhor dos Anéis” (porque eu dormi). Ele é uma gracinha, mas seu personagem é meio estranho - tem o talento de sobreviver quando todo mundo à sua volta morre. É assim, sabe? A gente pisca e de repente o navio que carrega nosso relutante herói sofre um acidente. Depois ele se apaixona por uma princesa, e foi nesse ponto que eu não entendi mesmo. Olha só, o sujeito recebe a proposta de se casar com o que parece ser a única mulher do filme. Ele gosta dela, ela gosta dele, e ela está prestes a se tornar rainha, o que faria dele rei. Convenhamos que deve ter sido melhor ser rei que peão na Idade Media (hoje, com os tablóides sensacionalistas, não tenho tanta certeza). Mas ele recusa por princípios e vai contemplar cavalos no meio do deserto. Ah, outro aspecto obscuro é que ele é francês, seu pai, Liam Neeson, também, e seu arquiinimigo idem. Mas todos falam inglês perfeitamente, tirando o vilão, que tem um leve sotaque francês (em compensação, ninguém, de nenhuma nacionalidade, toma banho).

Se “Cruzada” não é ruim, tampouco é muito bom. Coluna do meio pra ele. Pelo menos tem um ritmo e um clima legais, mas é no mínimo sinal de preguiça começar e terminar uma história com legendas explicativas. E achei as cenas de luta bem ruinzinhas. Apesar dos ataques ao forte serem críveis, as brigas corpo a corpo estão mal-editadas e confusas. E nem são violentas. Parece que a guerra apenas faz os homens mais empoeirados. Mas quem amou “Gladiador”, que não é o caso desta que vos fala, não vai ter do que reclamar. O diretor, Ridley Scott, tem no seu currículo uma obra-prima, “Blade Runner” (não a versão do diretor, mas aquela com a narração displicente do Harrison Ford), obras que influenciam como “Alien”, e bombas como “Hannibal”. Mas, se for comparar com o irmão dele, o Tony de “Ases Indomáveis”, ele é um gênio. Ao contrário do que o Ridley fez naquela propaganda bélica chamada “Falcão Negro em Perigo”, aqui ele não levanta a bola dos americanos. Tudo bem, é verdade que os americanos não existiam há mil anos (e nem assim o mundo era melhor), mas digamos que falar de cruzada hoje lembra bastante o que a direita cristã quer fazer com os muçulmanos. Estamos acostumados ao pessoal religioso que adora matar em nome de Deus, e Jerusalém continua sendo um palco de atrocidades. Seria fácil pro Ridley satanizar o comandante islâmico, que é a cara do Bin Laden, e pintar os cristãos como mocinhos. Não é isso que ele faz. Eu contei uns três vilões no filme, e nenhum é islâmico. O protagonista é cristão, mas tá mais pra católico relaxado. E ele perde sua fé. “Cruzada” quase parece o ponto de vista de um ateu que acha estúpido os outros ficarem brigando por lugares sagrados. Certamente não é um filme que justifica o fanatismo.

E no entanto, falta um pouco mais de ousadia à “Cruz”, o que “Alexandre” tinha mais. Se bem que a Idade Média segue exercendo seu fascínio. Talvez a gente ainda precise de um filme sobre cruzadas de verdade, quiçá um mais sério que “Monty Python em Busca do Cálice Sagrado”.

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