domingo, 28 de novembro de 2004

CRÍTICA: O DIA DEPOIS DE AMANHÃ / A gente sobrevive à catástrofe

O trailer de “O Dia Depois de Amanhã” já perguntava onde eu ia estar quando a calamidade chegasse, e eu pensava, ué, aqui mesmo, neste país tropical abençoado por Deus etc etc, no calorzinho de São Joaquim. Mas antes de falar mais nada sobre o filme é melhor me posicionar: gostei pacas do arrasa-quarteirão da vez, que é bem crítico ao governo Bush. É um blockbuster ecológico, onde já se viu? Até a recusa dos EUA em assinar o Tratado de Kyoto é mencionada. Pensando bem, o único vilão do filme é o capitalista selvagem encarnado pelo vice-presidente. “O Dia” trata do que vai acontecer se os países do primeiro mundo, principalmente os States, continuarem a maltratar o planeta – o aquecimento global trará uma nova era glacial, Los Angeles será devastada por ciclones (piores que o Catarina), a Europa ficará cinco metros embaixo de neve, e ondas gigantes varrerão Nova York, mas vi no mapa que América Latina e África não são afetadas. Quer dizer, tem um pedacinho da América do Sul que vai pro espaço, mas acho que é só a metade de baixo da Argentina, então tudo bem.

Agora, qual você quer ouvir primeiro, a boa ou a má notícia? A boa é que os americanos finalmente perdoam nossa dívida externa. A má é que eles tomam nosso país, já que perdem o deles. A cena mais vibrante, de aplaudir mesmo, é quando montes de ianques tentam cruzar a fronteira, e o México fecha os portões. E só os reabre quando eles decidem esquecer a dívida. Infelizmente, o filme não mostra o que aconteceria se eles tentassem entrar em Cuba, por exemplo. E sim, a gente pode argumentar que é preciso o fim do mundo pra que os sanguessugas apaguem o que devemos. Mas cada um vê o que quer, e o que eu vi foi a bandeira americana virar picolé e um discurso presidencial citar a fragilidade do império perante a tragédia e pedir humildade. O que não é comum, né? Tanto que os críticos lá de cima tão reclamando das mensagens do filme.

Claro, toda essa sub-trama política aparece pouquinho, e bem quando a gente aqui do quintal tá se sentindo no topo do mundo, “O Dia” corta pro sofrimento de uma médica e seu paciente-mirim. Com todo o respeito, quero que eles morram! Milhões de pessoas sendo varridas do mapa e a superprodução quer que a gente se preocupe com um grupelho de heróis que só são heróis porque sobrevivem?! Heróis somos nós, nesse contexto. O filme seria infinitamente melhor se fosse um documentário. Por mim, podiam deixar de lado todas essas historinhas de interesse humano. Todas as cenas com a ex-mulher do Dennis Quaid são péssimas e só param o ritmo. Mas menos mal que “O Dia” não gasta tempo com memoriais às vítimas. Uma das melhores seqüências, por sinal, vai de um sujeito sem importância pra outro, matando quase todos. Qual é, afinal, o valor individual diante de um desastre dessas proporções?

Há vários momentos impressionantes em “O Dia”, começando pelo começo, com todos aqueles rasantes em icebergs. Um carinha congela ao vivo, o gelo invade uma biblioteca, os únicos animais selvagens em NY são lobos que fugiram do zoológico – você não a-do-ra cinema catástrofe? Eu sim. Minha única outra queixa, além daquela de insistir em enfocar personagens, é que o filme sugere que não dá pra sobreviver só comendo confeitos de chocolate. Ué, qual o problema? Eu consigo numa boa. E viva o aquecimento global que vai nos tornar uma potência mundial! Até rimou.

Um comentário:

Igor disse...

E pensar que varis anos depois, o pagaria tudinho e ainda emprestaria dinheiro para os outros.