terça-feira, 29 de novembro de 2005

CRÍTICA: CAPOTE / Quando a ética capota

Finalmente estreou em Joinville “Capote”, cinebiografia do escritor americano Truman Capote, que virou ícone entre jornalistas com a publicação de “A Sangue Frio”. Melhor começar falando do romance. Essa obra de não-ficção trata do assassinato de uma família no interior dos EUA. Mas o crime em si o livro só descreve no final, o que gera muita angústia no leitor, que morre de vontade de ler de trás pra frente. Na minha modesta opinião, “Sangue” pode ter sido revolucionário quando foi publicado, em 1965, mas quarenta anos depois é quase um lugar-comum. Digamos que todo santo livro de não-ficção hoje em dia é igual. O fabuloso no livro é que uma figura egocêntrica e exibicionista como o Capote consiga se anular completamente. Não existem sentenças como “o assassino disse a este repórter que...”. Parece não haver um repórter, já que Capote se põe na pele de cada um de seus personagens. E ele tampouco os condena. É um dos livros mais “imparciais” (as aspas são pra indicar que sei que isso não existe) que já li. Mas é também um pouco gélido e sem emoção. Eu me matei de chorar no final de “Bonequinha de Luxo” (o livro), mas não vibrei com “A Sangue Frio”.

“Capote”, o filme, pra mim também deixa a desejar. Conheço bastante gente que amou o drama, inclusive os críticos americanos, que o elegeram um dos bambambãs do ano passado. Mas, não sei, não me acrescentou nada. A trama se resume a uma frase – Truman Capote foi um escritor famoso que nunca mais se recuperou após criar seu mais notório romance. Se bem que comparado às produções médias de Hollywood, “Capote” implora pra ser visto. Certamente é uma história inteligente, só que a maior tensão da trama – a diferença gritante entre o interior dos EUA e a metrópole – poderia ser melhor explorada. Agora, lógico que o oscarizado Philip Seymour Hoffman tá perfeito, mas ele tá sempre maravilhoso, vide “O Talentoso Ripley” e “Missão Impossível 3”. É um tremendo ator. Só que ouso dizer que um papel como Capote não é tão difícil. Basta imitar um sujeito cheio de maneirismos, o que, convenhamos, não é tarefa árdua pra um ator.

O mais interessante nisso tudo é analisar a responsabilidade do jornalista. Capote não apenas narrou os acontecimentos, como também interferiu no processo, arranjando advogados pros assassinos e, depois, torcendo pra que eles fossem executados logo. Mas o que ele fez parece fichinha se a gente pensar no que aprontou o Caco Barcellos. Segundo Katia Lund, co-diretora de “Cidade de Deus”, o célebre repórter da Globo escreveu “Abusado”, sobre o traficante Marcinho VP, e não o deixou ler o livro antes de publicado. Pior, como o livro está narrado em primeira pessoa, fica a impressão que Marcinho entregou todos seus ex-comparsas. Pra se vingarem por algo que ele não cometeu, os presos mataram o traficante na cadeia em 2003. Hmm... E aí, a vida de um biografado pertence ao próprio ou ao escritor que a põe num livro? É uma questão polêmica, mas que Caco não sai bem na foto, não sai mesmo. E nem Capote.

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