quarta-feira, 27 de novembro de 2002

CRÍTICA: RETRATOS DE UMA OBSESSÃO / Sedutor álbum de retratos

Evito revelar as fotos sempre no mesmo local porque os homens, em geral, já são loucos por mim. Se eu levasse meus filmes pra uma única loja, e o atendente visse minhas fotos eróticas com o maridão, certamente passaria a me seguir. Sim, nós, como um casal moderno, possuímos várias poses sexy, pois gostamos de nos fotografar em ação sempre que fazemos amor – ou seja, todo Natal. Isso sem contar os retratos extremamente sensuais do meu cachorrinho latindo ou do gatinho bebendo água. De fato, se um revelador de fotos (essa profissão tem nome?) se fixasse na minha família, ele morreria de tédio.

"Retratos de uma Obsessão" traz um personagem bem aterrorizante. Um sujeito labuta num supermercado faz um tempão, cuidando da revelação de fotos. Ele decide se concentrar numa família, copiar os rolos e sonhar que faz parte dela. Inclusive, o carinha monta um painel em sua casa pra poder ver seus "parentes". E, de vez em quando, vai até a mansão deles pra observá-los in loco. Passa a ler os mesmos livros, aparece nos treinos de futebol do menininho, e fica uma fera ao descobrir que aquela família idílica, o puro retrato da felicidade, não é tão perfeita quanto ele pensava. De perto ninguém é normal.

Sabe quando a gente sabe que um ator está ideal? Quando se esquece dele e se concentra no personagem. Pois é, me esqueci do Robin Williams rapidinho. Parece que este é seu terceiro trabalho como vilão este ano. "Retratos" marca, sem dúvida, seu melhor papel desde "O Mundo Segundo Garp" (que é de vinte anos atrás!). Com cabelo raso e corpo rechonchudo, Robin dá um show – e olha que estou longe de ser fã dele. Se houver justiça, será indicado ao Oscar.

"Retratos" é incomum. Pra começar, o vilão não morre da forma mais asquerosa e cruel possível, como manda a tradição americana. Aliás, nem morrer ele morre. Opa, não estou contando o final! A produção já tem início com o Robin preso, narrando sua saga pra um investigador. A gente ainda não sabe o que ele fez de errado, mas sabe que alguma ele aprontou. E o pior é que o Robin desperta mais lástima que medo. Aliás, se você viu o trailer, esqueça. Aquilo é propaganda enganosa. Pintam o drama como um suspense amedrontador, e acho que tá mais pra um retrato psicológico de alguém seriamente perturbado. O filme é denso, com longas seqüências e ritmo peculiar. A ironia do destino é que foi dirigido por um ex-adepto do videoclip – é a estréia promissora de um tal de Mark Romanek, que antes fazia vídeos pra Madonna. Tomara que permaneça longe do esquemão.

Claro que o filme poderia ser ainda mais radical. Poderia, por exemplo, nos mostrar o cotidiano da família apenas através dos olhos do Robin e dos rolos que ele revela. Não há necessidade de inserir duas cenas fora da visão do obcecado. Elas soam falsas. Além do mais, o final é fraco. Mas não dá pra reclamar muito. Afinal, eu fiquei torcendo durante toda a trama, pensando: Deus queira que o filme continue assim, mostrando a neurose desse indivíduo. E não é que Deus atendeu minhas preces? "Retratos" lembra bem dois projetos do Scorcese, o bárbaro "O Rei da Comédia", com sua idéia de solidão, e o blargh "Cabo do Medo". E tá recheado de comentários interessantes sobre fotografia, tais como as fotos serem momentos em que paramos o tempo e fingimos ser felizes, e que são tão importantes que, num incêndio, a primeira coisa que tentamos salvar, depois das pessoas e animais, são elas. Veja "Retratos". Garanto que, da próxima vez que for revelar um filme, você vai se recordar do Robin e querer comprar uma câmera digital.

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