segunda-feira, 31 de março de 2014

LUTAR OU NEGAR: AS REAÇÕES À PESQUISA DO IPEA

LEIA o post de 4/4 sobre a errata do Ipea
Já falei da chocante pesquisa do Ipea (leia na íntegra), divulgada semana passada, e agora vou falar um pouco da reação a ela. 
Algumas reações foram positivas, como a do governo dizer que as respostas mostram que é preciso maior investimento em políticas para mulheres. Ou a novela das oito da Globo incluir uma cena que critica as respostas retrógradas da pesquisa.
Diz o relatório que o levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada "teve por objetivo apurar percepções da população brasileira acerca de temas afetos à violência contra as mulheres. O pressuposto é de que a adesão a alguns valores e ideias traduz posturas mais ou menos tolerantes a este tipo de violência". O estudo foi inspirado numa grande pesquisa nacional sobre violência de gênero feita na Colômbia em 2009. 
A primeira frase da pesquisa do Ipea era "Os homens devem ser a cabeça do lar". Quase 64% dos entrevistados concordaram (41% concordaram totalmente). No relatório está escrito o seguinte: "morar fora do Sul/Sudeste, ser idoso (60 ou mais anos), homem, católico ou evangélico, e pouco educado, são características que aumentam a chance de concordância total ou parcial" com a frase.
Outras frases corroboraram a percepção do que é a família patriarcal para os entrevistados, e de como este é um modelo favorável para eles. Frases como "Toda mulher sonha em se casar" (quase 79% concordaram) e "Uma mulher só se sente realizada quando tem filhos" (60% concordaram) indicam o que os entrevistados pensam do papel da mulher. Já frases que abordavam a heteronormatividade (ver só o relacionamento hétero como "normal" e desejável) tiveram respostas mais divididas. Por exemplo:

46% discordaram da frase, e 41% concordaram. Quase 7% não concordaram nem discordaram. 
Este é um número condizente com tudo quanto é pesquisa em relação à tolerância do brasileiro à homossexualidade. Ainda estamos nos 50-50, sendo que as pessoas mais velhas são as mais conservadoras, as que menos aceitam.
Por mais que os entrevistados mostrem indignação com a violência doméstica contra a mulher (ainda que de uma forma meio esquizofrênica: querem ver o agressor na cadeia, mas não querem se meter), o machismo dos entrevistados fica explícito em frases como esta:

Pode ser que os brasileiros, através de muitas campanhas e leis, tenham avançado em relação ao que pensam sobre violência doméstica (percepção que, até agora, não significou diminuição dessa violência). 
O que eu noto é que as pessoas não veem ligação dessa violência com o machismo. Para elas, é um problema individual, do caráter de cada um, não social. Esta é também a visão que o pessoal costuma ter sobre estupro -- o estupro é coisa de psicopata, de uns poucos, não uma praga social.
O que as pessoas que questionam a pesquisa do Ipea parecem não entender é que não foram "perguntas tendenciosas". Não foi: "O que você acha de mulher que sai às ruas com roupa provocante?". Essa é uma pergunta aberta, que rende uma enormidade de respostas, que depois teriam que ser agrupadas pelos pesquisadores. Nem é uma pergunta fechada, do tipo "Você acha que mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas?", com alternativas sim/não/depende. 
Foram lidas aos entrevistados 27 frases (não perguntas -- afirmações), e cada entrevistado tinha que responder: concordo totalmente, concordo em parte, discordo totalmente, discordo em parte, ou não concordo nem discordo. Uma dessas frases era:

Quase 59% dos entrevistados concordaram, parcial ou totalmente, com a afirmação. 
Pra mim, e pra muitos analistas, a frase é categórica: põe a culpa dos estupros na vítima. Ela é que causou o estupro, por não saber se comportar. Claro, o que quer dizer "saber se comportar"? Isso está aberto a interpretações -- assim como qualquer afirmação em qualquer pesquisa, ué. 
Não é o entrevistador que vai explicar pro entrevistado o que é "saber se comportar". Será o entrevistado, com seus valores, com sua experiência de vida, que interpretará a afirmação. Para alguns, "saber se comportar" pode querer dizer não sair à rua. Para outros, pode ser não sair à rua à noite. Ou não sair à rua sozinha. Ou não sair à rua sem um homem. Ou não ir pra uma festa e beber. Ou não ir pra uma festa, ponto. Ou usar burka.
De toda forma, provavelmente todas as interpretações de "saber se comportar" tratam de como evitar o estupro-clichê, aquele que acontece em menos de 30% dos casos, que é o estupro por desconhecidos. Pro senso comum (e pesquisas trabalham com o senso comum), só existe esse tipo de estupro. O senso comum ignora que 51% das mulheres estupradas no Brasil têm menos de 13 anos (ou seja, são meninas), e que grande parte é estuprada dentro de casa.
Estou muito longe de ser expert em estatística, mas meu amado pai trabalhou boa parte de sua vida com pesquisa de mercado, e eu, em outra reencarnação, fui sua secretária e assistente durante dois anos, além de ter sido entrevistadora do Ibope por um breve período. Foi assim que vim ao Nordeste pela primeira vez, 24 anos atrás: para entrevistar 300 donas de casa sobre todos os produtos da Nestlé, em três capitais. Enfim.
Mesmo com meus parcos conhecimentos, eu vejo, sim, um problema de amostragem na pesquisa do Ipea. A amostra é fiel ao perfil do povo no que se refere às regiões (56% dos entrevistados vive no Sudeste e Sul, mesmo porcentual da população brasileira). 
Ótimo: se é pra se falar no "povo brasileiro", deve-se adotar uma amostragem que represente o povo brasileiro. E este povo não é quase 67% mulheres (cerca de 51% da população geral é mulher) nem 61% não branca. Muito menos 71% residentes em áreas não metropolitanas. Aliás, o relatório não explica o que quer dizer por "áreas metropolitanas" (segundo definição geral, seria uma área urbana densamente povoada, e as cidades ao redor deste núcleo -- por exemplo, a região metropolitana de SP inclui a capital e 39 municípios vizinhos). Se entendi direito, 44% da população do país vive em áreas metropolitanas.

Pra mim, esta é a falha mais flagrante de representatividade: se a pesquisa quer traçar o perfil do povo brasileiro, e 44% dele vive em áreas metropolitanas, por que apenas 29% dos entrevistados pelo Ipea vivem nessas áreas? Por que 67% da amostra é de mulheres, se "só" constituímos 51% da população? Quer dizer que o resultado poderia ter sido mais machista ainda, se mais homens tivessem sido entrevistados?
Um mascote do Olavo de Carvalho na Veja chamado Felipe escreveu dois posts (aliás, há ótimas oportunidades pra reaças que gostam de escrever, ainda que isso não queira dizer que saibam escrever: você pode ganhar um blog na Veja, ser pago para dar palestras pelo Instituto Millenium, e/ou publicar um livro pela Editora Record). Num dos posts, Felipe chamou feministas de feminazis (até aí, normal: vale lembrar que não foram mascus que inventaram o termo feminazi, e sim um dos maiores reaças americanos), e disse que o termo "atacar" na frase "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas" pode ter sido entendido pelos entrevistados como "criticadas" ou "paqueradas" (aham), nunca estupradas! Isso só na cabeça doentia de feminazis!
Campanha reaça para negar a pesq
Noutro post, além de dizer que a pesquisa foi feita para vitimizar "ainda mais" as mulheres, Felipe aproveita para atacar o Ipea (atacar não no sentido de estuprar, já que é preciso, segundo ele, explicar o sentido das palavras sempre, pois as pessoas não entendem o contexto), pois é um órgão do governo e tá no manual da Veja atacar tudo que seja do governo.
Felipe, porém, consegue um acerto: "Se a palavra 'atacadas' fosse trocada por 'espancadas' ou 'estupradas', é evidente que o resultado teria sido mais ameno". 
Sim, é verdade, e essa é uma constante em qualquer pesquisa que queira medir percepções sobre estupro. A palavra estuprar tem uma carga pesadíssima, e há muitas interpretações sobre o que configura ou não estupro (desde 2009, aqui no Brasil, a definição para este crime ficou mais ampla). Tipo: neste estudo das Nações Unidas, provavelmente o maior sobre violência sexual no mundo, não se usou a palavra estupro. Porque as pessoas não sabem o que é estupro. Então, o estudo perguntou aos homens se eles já "forçaram sexo" (o resultado foi que um em cada quatro homens respondeu "sim"; ou seja, um em cada quatro disse ter estuprado uma mulher em algum ponto de suas vidas).
Este estudo, com estudantes universitários dos EUA, substitui a palavra estupro por "você já tentou fazer sexo à força ou ameaçando usar a força?" e "você já tentou fazer sexo com alguém que não queria porque ela estava intoxicada demais para resistir?".
Se essas e tantas outras pesquisas tivessem usado o termo "estuprar", o resultado seria diferente, decerto. O que não nos impede de interpretar que sim, estupro é "forçar sexo", "fazer sexo à força", "fazer sexo com alguém que não queria", "fazer sexo sem consentimento", e que "atacar", no contexto de "usar roupas que mostram o corpo", tem muito mais a ver com "estuprar" que com "paquerar" ou "criticar".
Outro sujeito, um tal de Adolfo, que não sei se é reaça ou não (ok, claro que é), portanto, vou linká-lo, até fala coisas relevantes nos primeiros seis minutos. O que ele diz é que a amostra da pesquisa não é aleatória, porque se você vai fazer uma entrevista na casa de alguém durante o horário de trabalho, quem encontrará em casa? Mais mulheres (um dos primeiros pontos que pensei foi: por que tantas mulheres foram entrevistadas?), muitas babás e empregadas (e donas de casa, estudantes, aposentadxs).
Só que pouco depois Adolfo põe tudo a perder ao concluir, como fez o Felipe, que os resultados da pesquisa não são machistas (porque os entrevistados condenam a violência doméstica -- como se contradições não pudessem existir). Pior ainda: Adolfo tenta justificar que "uma mulher vestida de forma inadequada estimula a agressão". 
Suas palavras a partir daí são francamente asquerosas: "Veja, imagina uma mulher de calça jeans, imagine uma mulher de minissaia: qual mulher é mais fácil de estuprar? Isso não é uma questão de opinião, isso é um fato! Uma mulher que tá usando calça jeans, fisicamente é mais difícil ela ser violentada do que uma mulher que está usando minissaia. [...] Então boa parte dessa resposta que chocou as pessoas pode estar refletindo não um grau de machismo na população brasileira mas uma constatação básica". 
Bem, vamos tentar ver o lado bom: o "fato" de Adolfo explica por que mulheres de burca também são violentadas (pelo jeito é mais fácil estuprá-las que a mulheres de calça jeans; calça jeans, a partir de agora, deve ser adotado como uniforme anti-estupro, inclusive para as meninas de 5 anos que são estupradas por seu pai ou padrasto).
Alguns dos resultados da pesquisa são tão terríveis que geraram uma mobilização imediata. Na sexta, uma jovem jornalista começou um protesto online, o #NãoMereçoSerEstuprada, que atraiu um montão de gente (eu inclusa), e repercutiu em toda a mídia tradicional (a internacional inclusa). Certamente foi um sucesso (tomei a liberdade de, neste post, usar algumas imagens do protesto para ilustrar o texto).
Quer dizer, foi um sucesso em partes. Foi porque mostrou que existe muita gente, digamos, os 35%, que não acham que uma mulher que mostra o corpo merece ser atacada. Mas infelizmente a reação ao protesto comprovou o que grande parte das feministas já sabia -- que tá cheio de lunático que realmente acha que mulheres devem ser atacadas. A página do protesto no FB foi hackeada e acabou sendo fechada.
Uma das ameaças
Em poucas horas, a autora da campanha foi ameaçada de estupro. Isso é muito, muito comum. Eu recebo ameaças de morte, estupro, tortura, desmembramento, toda semana. Basta ser mulher pra receber ameaça de estupro (num estudo, a Universidade de Maryland criou contas fakes para interagir em fóruns. As contas com avatares femininos receberam uma média de cem mensagens ameaçadoras por dia -- isso porque não existe cultura de estupro, é só impressão nossa). 
Este blog printou algumas das imagens mais chocantes desses dementes.

Será que são babás que deixam essas ameaças? 
Será que, depois de ler essas ameaças, essas piadinhas, o tal do Adolfo ainda acha que apenas "a empregada doméstica, a faxineira, a babá" (quem ele acha que respondeu à pesquisa do Ipea) pensa que mulher que anda com pouca roupa merece ser atacada? Quantos minutos você precisa passar na internet para se dar conta que é exatamente essa a percepção no ambiente virtual?
Podemos e devemos questionar a amostragem do Ipea. Mas duvidar que a percepção predominante é que mulheres "merecem ser atacadas", e que é o comportamento delas que causa todos os males, é desconhecer um pouco o mundo onde se vive.
O que reaças querem dizer é que não se deve fazer absolutamente nada para mudar este quadro, porque, segundo eles, este quadro nem existe. 
Mulheres não são estupradas, ou, se são, acontece nas ruas por psicopatas, e para conter isso é só aumentar o policiamento e implantar a pena de morte que pronto, problema resolvido. Esses mesmos reaças acham que lutas feministas são falta de louça pra lavar, porque é óbvio que todo mundo é contra o estupro e ninguém culpa a mulher, jamais, por coisa nenhuma.

Protesto marcado! Dia 4 de abril, próxima sexta, às 18:30, na Praça do Ferreira, em Fortaleza, "Não Merecemos Ser Estupradas". Apareçam! (Parabéns pela iniciativa, guerreiras).

domingo, 30 de março de 2014

LOLINHA NO PICADEIRO DA VIDA

Ferrugem recomenda meu livro

Pessoas queridas, é com pesar que digo que não irei mais pra Marabá, pelo menos por enquanto. 
Eu iria na sexta, e de lá, dia 8, iria direto pro Paraná. Mas, infelizmente, não houve candidatos inscritos no concurso do qual eu faria parte da banca. É que o primeiro edital sempre tem que abrir vaga pra doutor. Vamos ver se, quando abrir vaga pra mestre, alguém se inscreve e eu finalmente conheça a região Norte! 
Espero ainda estar na UFPR no dia 9/4, só que teremos que trocar as passagens, que já estavam compradas. A boa notícia é que talvez eu ofereça não uma, mas duas palestras em Curitiba, ambas no mesmo dia, e com temática diferente. Depois eu dou mais informações.
Sexta retrasada estive na Unilab, em Redenção, pela primeira vez, e adorei. Publico aqui uma foto com a querida professora Ana Cristina, que (diz ela) virou leitora voraz do bloguinho. 
Ainda estou vendo se irei a SP no dia 22 de maio. Mas entre os dias 16 (sexta) e 18 (fim de semana) de maio, estarei lá, pro 4o Encontro de Blogueir@s e Ativistas Digitais. 
Se você quiser aproveitar que eu já estarei em SP pra me convidar pra dar uma palestra na sua universidade ou coletivo no dia 16/5, me mande um email (lolaescreva@gmail.com).
Agora tenho menos de 40 livros, então, quem quiser comprar, precisa se apressar. O relato lindo que vou incluir hoje é o da Vitória, 16 anos, no último ano do Ensino Médio. Ela recebeu meu livrinho de presente do Felipe. A queridona descreve assim sua reação:
Vitória e Felipe
"Quase chorei, dei pulos e mais pulos de felicidade e ficava abraçando o meu benfeitor constantemente! De longe, o melhor presente que ele poderia me dar. E que você também (já chego aí).
Primeiramente, o livro é muuuuuito fofo! É realmente uma leitura gostosa, que flui fácil, provoca reflexões, quanto às obras a q já assisti, gargalhadas e até ira, como dirão os fãs de Senhor dos Anéis. Em algumas partes, tive de fazer uma pausa para rir loucamente -- *insira a crônica de Acquaria aqui*. E tenho de confessar q me encontro na legião de fãs cativadas por suas histórias com o maridão.
No entanto, não se ofenda se eu disser que a dedicatória foi o q o tornou tão especial. A primeira coisa que pensei foi: 'a Lola sabe q eu existo' -- sim, descobri q sou sua tiete. Depois: 'cara, com o tempo tão escasso, ela realmente se importa com as leitoras'. 
Planta carnívora da Lilyan com o livro
Antes de conhecer o blog, no auge da minha indignação, quantas vezes pensei que havia algo errado em mim? Que eu era utópica e pensava demais em 'coisas praticamente imutáveis'? Como no preconceito racial, nas desigualdades sociais extremas e no machismo ao meu redor. Por isso te agradeço profundamente. 
Macaquinho da Patty
E sobre o Felipe. Ele foi, e certamente continuará sendo, meu outro amparo quanto a todas essas dúvidas contra o status quo. Ele me é a prova viva do quão libertador é o feminismo para ambos, homens e mulheres. Ele não tem 'sangue no olho' pra ficar com tds as garotas do planeta. E quão gentil ele é! Com todo mundo, não apenas com as garotas com quem deseja ficar. Enfim, tenho a honra de dizer q o meu melhor amigo não se encaixa no estereótipo de 'macho' proposto pelo sistema. Isso já lhe ocasionou tantas zoações entre os colegas q o feminismo surgiu como resposta. Quando me questiono se penso demais, ele aparece pra me dizer q os outros é que pensam de menos". 
Flora e Ana Cecília em algum lugar
do Mato Grosso
Outra lindona que comprou o meu livro foi a Ana Cecília, uma leitora com uma história bem incomum. Formada em turismo, desde que ela teve a pequena Flora, de dois anos, ela acompanha o marido, que é mágico de circo. A família está viajando há mais de cinco meses (quando ela comprou o livro, estava no interior do Mato Grosso). E desta família faz parte a primeira palhaça do Brasil, a Ferrugem (foto acima), cunhada de Ana e uma das donas do Circo Grock. 
Ana Cecília escreveu: "Amei seu livro e acho que ele é realmente medicinal... as crônicas são, melhor dizendo... o que vc escreve! Amei a dedicatória. Como vc consegue? Além de tempo, ser tão próxima de nós... é seu dom! Espero de coração que vc venda todos os livros logo e que venha outro, o mais rápido possível E seu blog... está cada vez melhor, não perco nem um dia. Parabéns!"
Faça como a Ana e compre meu livro, seu/sua pão durx miserável!

sábado, 29 de março de 2014

GUEST POST: NOVELA BATE EM MULHER DESDE CEDO

Luana tem 30 anos, está estudando pra ser juíza (fica aqui minha torcida), e se chocou com uma cena da novela Em Família, que estreou recentemente. 
Amor à Vida, novela de 2013
Luana diz que só se descobriu feminista lendo o blog. Antes, ela "achava que era feminista ao mesmo tempo que achava que 'mulher devia se valorizar'. Engraçado como é fácil reproduzir as ideias que são repetidas exaustivamente pela sociedade sem questionar".
Salve Jorge, novela de 2012
Eu não vejo novelas, aliás, nem tenho tempo pra ver TV, mas sei que a maior audiência de toda novela é quando uma personagem apanha violentamente. E toda novela tem várias cenas dessas. Geralmente, elas não servem pra denunciar ou pra combater a violência doméstica, mas pra "dar uma lição", pra gerar ibope (tanto que a mídia se refere a elas como "as melhores surras"). Ou seja, não ajudam em nada. Só atrapalham.

Novelas permeadas com estereótipos machistas não são novidade pra ninguém, mas eu queria, do fundo do meu coração, que isso mudasse! Desde que começou essa nova novela das 8, Em Família, é perceptível a quantia de clichês daquilo que há muito o feminismo combate.
No entanto, teve uma cena exibida no dia 3 de março (início da semana do Dia da Mulher, só pra constar), que me incomodou muito.
Na cena, houve uma discussão entre seus protagonistas, e que culminou num tapa. Até aí, nenhuma novidade, certo? O problema é que não foi um simples tapa, foi um tapa desferido por um homem na cara de uma mulher.
No desenrolar da cena (com uma excelente atuação, diga-se de passagem), Laerte (interpretado por Gabriel Braga Nunes) obriga Helena (Júlia Lemmertz) a ouvir o que ele tinha pra dizer, segurando-a com força (ela inclusive disse “você está me machucando”). Quando ele a soltou, trocaram ofensas, ele a chamou de vadia, e ela deu um tapa nele. Qual foi a minha surpresa (e a dela, imagino), quando ele DEVOLVEU O TAPA? 
Quando ela questionou a "coragem" dele de bater nela, ele respondeu o que tantos machistas respondem: “Acha que só você, por ser mulher, tem esse direito?”. Essa frase ficou ecoando na minha cabeça. Pensei: como assim? 
Olha, eu não acho que uma mulher tenha direito de sair por aí, estapeando os homens, mas sei que usualmente há uma visível disparidade de força física entre ambos! 
Mas não foi isso que deixou transparecer a cena. Pelo que foi mostrado, os protagonistas estavam em pé de igualdade, ou seja, o tapa que a mulher levou teve força equivalente ao tapa que ela desferiu.
Acontece que a realidade não é bem assim. E no Brasil, onde morrem 15 mulheres por dia, vítimas de violência (usualmente exercida pelo marido, companheiro ou ex), uma cena dessas é deveras arriscada, na medida que parece abonar esse tipo de comportamento contra mulheres.
Pergunto: quantos casos de violência começaram com um simples tapa? Claro que há mulheres que também batem nos parceiros -- e estão igualmente erradas. Mas o grau de violência costuma ser desproporcional.
Ok, pode ser que eu esteja exagerando, afinal foi só um tapa. Mas então eu lembro que a novela entra em praticamente todos os lares do país. Ela é assistida por grande parcela da população, inclusive pelas camadas menos favorecidas (que são as pessoas que mais sofrem com a violência).
Mulheres Apaixonadas, 2003
Acredito que não tenha sido a intenção do autor encorajar  a violência contra a mulher, até porque em outra novela, Mulheres Apaixonadas, ele fez uma campanha muito importante contra a violência contra a mulher [Nota da Lola: infelizmente, no último capítulo ele fez o público festejar uma surra que o pai dá numa mulher adulta que era estúpida com os avós]. No entanto, achei irresponsável abordar o tema dessa forma, até porque, as novelas exercem um poder muito grande sobre sua audiência e muitas pessoas pautam seus comportamentos pelo que assistem na TV.
De verdade, não gostei da circunstância da cena colocando (mais uma vez) a mulher como o “agente provocativo”. Quem assiste a novela já deve ter percebido que é uma constante a culpabilização da mulher, no entanto essa bofetada me chocou (e não vou nem comentar a incoerência de uma pessoa querer pedir perdão pra outra com uma bifa na orelha).
Eu sinceramente esperava que Helena fosse procurar a delegacia da mulher, até por conta do histórico do agressor (que quase matou uma pessoa no começo da novela),  mas ela não foi. E ninguém falou nada... ficou como uma coisa “normal”. Uma briga “normal”, de casal. 
Eu sei que novela é apenas ficção, mas no site da globo está escrito que essa novela trata sobre "fatos cotidianos". Sabe, eu não quero viver em uma sociedade onde é cotidiano a mulher ser culpada de tudo e, ainda por cima, vítima de violência.