sábado, 31 de maio de 2014

FUNDAMENTALISTAS QUEREM MATAR O ABORTO LEGAL. GOVERNO DIZ: "FIQUEM À VONTADE"

É assim: a gente vive num país tão restritivo em matéria de aborto que tem que comemorar cada coisinha, por mais insignificante que pareça. 
Em 2012, quando o Supremo aprovou lei que possibilita aborto em caso de fetos anencéfalos, a gente teve que comemorar. Confesso que fiquei surpresa: eu nem sabia que uma mulher era obrigada a carregar em seu ventre durante nove meses um feto que não desenvolve o cérebro e, assim, ora nasce morto, ora morre poucas horas depois. É uma violência enorme submeter uma mulher a ter que parir um filho morto. Ainda mais porque é comum que todos no hospital corram ao quarto para ver aquela "aberração".
Em março do ano passado, comemoramos um fato inédito: o Conselho Federal de Medicina e 27 conselhos regionais, que representam 400 mil médicos em todo o país, se posicionaram a favor do aborto até a décima-segunda semana de gravidez. Dois terços dos médicos disseram defender "o caminho da autonomia da mulher". 
Diante da decisão dos médicos, o então ministro da saúde tratou de tranquilizar os fundamentalistas: "O governo federal, desde o começo, disse que não tomaria nenhuma medida no sentido de mudar a lei atual do aborto no Brasil". É triste: o PT apoia a legalização do aborto, está no seu estatuto, mas governa o país de acordo com o que seus aliados -- partidos nanicos que desafiam o Estado laico -- mandam.
Cartaz dos fundamentalistas
mostra como veem a mulher: como
encubadora
Em agosto, comemoramos Dilma enfim ter peitado os fundamentalistas, sancionado um projeto aprovado no Senado, que meramente regulamentava atendimento na rede pública às vítimas de violência sexual. Os fundamentalistas, pra variar, queriam que Dilma vetasse tudo, inclusive a pílula do dia seguinte. Viram a sanção presidencial como a legalização do aborto no Brasil.
Semana passada, comemoramos a portaria 415, que garantia verba para a realização de aborto no SUS nos casos previstos por lei, que são somente três -- gravidez em decorrência de estupro, risco de vida para a gestante, e fetos anencéfalos. A portaria mudava o nome de "curetagem" (algo que é realizado em outros procedimentos além do aborto) para "interrupção da gestação ou antecipação do parto". Esta mudança de nomenclatura, na prática, apenas possibilitaria obter estatísticas mais precisas. 
E a portaria fixava o preço de R$ 443,30 por cirurgia para os hospitais. Antes, era R$ 170, o que não cobria os custos, e (também) por isso vários se recusavam a realizar o aborto. Lembrando mais uma vez, pra quem ainda não entendeu: estamos falando de aborto nos casos previstos por lei! A portaria não "legalizava o aborto", ao contrário do que os fundamentalistas gritaram (de novo!). Apenas tentava garantir que a lei fosse cumprida e que, por exemplo, mulheres que engravidassem de um estupro pudessem abortar.
Porque, não sei se você sabe, mas realizar um aborto legal no Brasil é uma missão quase impossível. Primeiro que há apenas 65 hospitais -- num país de proporções continentais -- que oferecem este serviço. Segundo que boa sorte descobrir quais são esses hospitais, porque seus nomes são guardados a sete chaves, segundo o Ministério da Saúde, para proteger a equipe médica e as mulheres que recorrem a um aborto legal. Pô, legal o Ministério pensar na segurança das mulheres, né? E essas mulheres vão descobrir como onde devem ir? Porque esses hospitais não aparecem listados em nenhum lugar! 
Terceiro que, mesmo que uma mulher tire a sorte grande e descubra um desses 65 hospitais, ela pode chegar lá e dar de cara com um médico que alegue "objeção de consciência". E tudo bem, ele pode se recusar a realizar o aborto, mas o hospital em si não pode. O hospital deveria oferecer um outro médico que fizesse o que a lei permite. Ou melhor, garante.
Uma leitora, mãe de três filhos, relatou a peregrinação que fez no ano passado para ter direito ao aborto, pois corria risco de vida: "Fui ao Hospital da Mulher no RJ, munida com tudo e certa que iriam me ajudar! Mas não. Fui muito repreendida, disseram que aborto é crime e para eu desistir que lá jamais iria conseguir". Ela passou por vários outros hospitais, até recorrer a um aborto clandestino. Porque era isso: pagar ou morrer. Esta leitora, aliás, só tentou correr atrás de seus direitos porque leu o meu post sobre aborto legal. E acreditou que no Brasil existia aborto legal.
A Agência Pública fez uma completa e excelente reportagem sobre os inúmeros entraves do aborto legal no país. Um dos casos chocantes narrados é o de uma moça que foi estuprada em 2011 perto de sua antiga casa, em Recife. Envergonhada, sentindo-se culpada, como a maioria, não deu queixa. Duas semanas depois do estupro, fez um teste de farmácia e descobriu-se grávida, e procurou a Delegacia da Mulher. Lá o policial lhe deu um sermão: "Você deveria pensar duas vezes antes de vir aqui buscar um BO para tirar um filho. Ninguém vai registar nada ali se sua intenção é matar uma vida".
Detalhe: pela lei, não é preciso apresentar BO nem "comprovar" o estupro para realizar o aborto. Quer dizer, pelo menos na teoria. Na prática, como eu já falei, a mulher vai penar até para encontrar um hospital. 
Felizmente, a mulher deste caso morava na Alemanha. Voltou pra lá e realizou o aborto na rede pública. Porque seu país natal, o país onde foi estuprada e engravidou, não lhe concedia o direito a abortar. Mesmo que esse direito estivesse na lei desde 1940. 
O caso desta moça não é exceção. Segundo a Pública, cerca de 7% dos casos de estupro resultam em gravidez. Ainda que a legislação garanta a possibilidade de aborto, quase 70% dessas mulheres brasileiras que engravidaram de um estupro não puderam abortar. Então que lei que não é cumprida é essa? 
E as mulheres que correm risco de vida e não podem abortar, fazem o quê? Morrem? Tentam aborto por conta própria com misoprospol (em doses repetidas a cada 12 h em um ciclo de 48 h com três a cinco dias de intervalo, segundo orientação da Norma Técnica, e atenção, não é por via oral, é vaginal)? 
Mas onde elas vão conseguir o Cytotec, proibido no Brasil? Terão que confiar em contrabandistas. Uma situação surreal que expõe mulheres a uma situação de extrema vulnerabilidade, como mostra o filme romeno 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias.
Que fundamentalistas não têm a menor compaixão por mulheres, a gente sabe. Mas nem de crianças eles têm dó? Afinal, os obstáculos que proíbem mulheres adultas de abortarem legalmente são os mesmos que obrigam meninas a parir. A Pública calcula que 10% dos casos de estupro com penetração em garotas de até doze anos resultam em gestação.
E aí, você acha que uma menina de dez anos que foi estuprada deve ser forçada a ter um filho, mesmo sem ter a menor formação física e/ou psicológica para isso? 
Mesmo que ter o bebê a coloque em risco de vida? Mesmo que esse risco resulte na morte de duas crianças (ela, a mãe, e o bebê)? Bom, os dados apontam que 80% das meninas que engravidaram não fizeram aborto legal. Menos de 6% dessas meninas com menos de 12 anos que foram estupradas e engravidaram conseguiram abortar. Esses números não te fazem gritar de raiva não? Você realmente acha que uma menina deve ser forçada a ser mãe? Isso não te soa quase como uma segunda violência?
Lembra quando, em 2009, uma menina de nove anos e 1,30 m de altura ficou grávida de gêmeos após ter sido estuprada pelo padrasto? Saiu em toda a grande mídia na época. Os laudos atestavam que a menina não seria capaz de resistir à gravidez e muito menos a um parto de gêmeos. Ela morreria, e os bebês também. Mas, apesar da sua necessidade de aborto estar totalmente dentro da lei (ela fora estuprada e corria risco de vida), foi complicadíssimo fazer a operação. 
O arcebispo de Olinda e Recife fez um escândalo e tentou impedir o aborto a qualquer custo. Excomungou os médicos, as feministas que estavam dando apoio à menina, a mãe da menina, que só queria a filha viva. Só não excomungou a menina porque ela era menor de idade. Ah, sabe quem mais não foi excomungado? O padrasto estuprador. O arcebispo deixou claro, com todas as letras, que a igreja católica via -- vê -- o aborto como algo muito mais grave que um mero estupro. Afinal, estupros geram vidas, aleluia!
Finalmente a menina conseguiu abortar, e sobreviveu. Na ocasião, quase todo mundo ficou a favor do direito da menina de realizar um aborto, e contra o arcebispo. E então, o que mudou de 2009 pra cá? Retrocedemos? Ficamos ainda mais conservadores? Hoje haveria uma multidão de fundamentalistas apoiando o arcebispo e fazendo de tudo (e esse "tudo" inclui atos terroristas a clínicas, nos EUA -- pois é, "pró-vidas" matam médicos e mulheres) para que a menina não abortasse?
Anteontem, dia 29, o Ministério da Saúde revogou a portaria 415. Mais uma vez, o governo cedeu às pressões fundamentalistas. É vergonhoso, é de fazer corar. Que falta de coragem de um governo que não é capaz nem de cumprir leis que garantam o aborto legal! Por que um governo que deveria ser de esquerda obedece cegamente a um pessoal que gostaria de substituir a Constituição pela Bíblia? 
Ah, é pela "governabilidade"? Mas que governabilidade é essa que permite que o fundamentalismo religioso dê todas as cartas? Ah, é pra ganhar eleição e continuar no poder? Mas pra que ficar no poder, se é pra deixar que mulheres e meninas morram por não poderem realizar seu direito mais básico, que é o direito ao próprio corpo?
Nosso país está tão na vanguarda do atraso em relação ao aborto que precisamos lutar não para legalizar o aborto, mas para manter o aborto legal em três míseros casos (risco de vida, estupro, anencefalia fetal). Porque até esse direito previsto por lei os fundamentalistas querem tirar das mulheres. E contando com um governo como cúmplice.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

NEM TODO HOMEM ODEIA MULHER. MAS TODO HOMEM SE BENEFICIA DO SEXISMO

A Daniela traduziu este artigo de Laurie Penny, que antecede em vários meses o massacre de Santa Barbara.

Isso vai machucar. Nos últimos meses foi quase impossível abrir um jornal ou ligar a TV sem encontrar uma história sobre alguma garota menor de idade que foi estuprada, alguma política que foi assediada ou outra mulher trans que foi assassinada. Mas enquanto mulheres, garotas e um número crescente de aliados masculinos começaram a se manifestar contra o sexismo e a injustiça, uma coisa curiosa começou a acontecer: pessoas estão reclamando que falar de preconceito é uma forma própria de preconceito.
Hoje em dia, antes de falarmos de misoginia, as mulheres são cada vez mais questionadas a modificar sua linguagem para não machucar os sentimentos masculinos. Não diga “Homens oprimem mulheres" -– isso é sexismo, um sexismo tão ruim como o que qualquer outra mulher tem que lidar, talvez pior. Em vez disso, diga: “Alguns homens oprimem as mulheres”. O que quer que você faça, não generalize. Isso é coisa que homens fazem. Não todos os homens -– só alguns.
Esse tipo de discussão semântica é uma maneira muito eficiente de fazer as mulheres se calarem. Afinal de contas, a maioria de nós aprendeu que ser uma boa menina é colocar o sentimento de todos os outros na frente do seu. Nós não devemos dizer o que sentimos se há alguma chance de chatear alguém ou, pior, fazer alguém ficar com raiva. Então suprima seu discurso com desculpas, advertências e sons tranquilizantes. Nós reafirmamos a nossos amigos e homens que amamos que “você não é um desses homens que odeia mulheres”.
O que nós não dizemos é: é claro que não é todo homem que odeia mulheres. Mas a cultura odeia mulheres, então os homens que crescem em uma cultura sexista têm a tendência de fazer e falar coisas sexistas, mutas vezes sem a intenção. Nós estamos julgando você por quem você é, mas isso não quer dizer que você tem que mudar seu comportamento. O que você sente pelas mulheres no seu coração é de menor importância imediata do que como você trata mulheres cotidianamente.
Você pode ser o homem mais gentil e doce do mundo e ainda assim se beneficiar do sexismo. É assim que a opressão funciona. Milhares de pessoas que por um lado são decentes aceitam um sistema injusto porque desse jeito o transtorno é menor. 
A resposta apropriada quando alguém exige uma mudança nesse sistema injusto é ouvir, em vez de virar as costas ou gritar, como uma criança faria, porque não é culpa dela. E não é sua culpa. Eu tenho certeza que você é adorável. Mas isso não quer dizer que você não tem responsabilidade de fazer alguma coisa a respeito disso.
Sem evocar estereótipos maçantes de gênero sobre capacidade de realizar multitarefas, nós todos podemos concordar que é relativamente fácil armazenar mais de uma ideia no cérebro humano. O cérebro é um órgão grande, complexo, mais ou menos do tamanho e do peso de uma couve-flor bem feia e podre -– e ele tem espaço para muito lixo, tramas de TV e até o número dx ex que você não deveria ligar depois de seis doses de vodka. Se ele não pudesse armazenar grandes ideias estruturais e, ao mesmo tempo, algumas pessoais, nós nunca teríamos descido das árvores e construídos coisas como cidades e cineplexes.
Então não deveria ser tão difícil explicar para o homem médio que mesmo que você, indivíduo, cuidando da sua vida, comendo cereais e jogando BioShock2, não odeie ou machuque as mulheres, homens como um grupo -- homens como uma estrutura -- certamente o fazem. Eu não acredito que a maioria dos homens seja tão estúpida para não entender essa diferença, e se não entendem, precisamos intensificar nossos esforços para impedir que eles comandem quase que a totalidade dos governos globais.
De alguma forma ainda é difícil falar com homens sobre sexismo sem encontrar uma parede de resistência que faz sombra a uma indiscutível hostilidade, até violência. Raiva é uma resposta completamente apropriada ao entender que você está envolvido em um sistema que oprime as mulheres –- mas a solução não é dirigir essa raiva às mulheres. A solução não é calar o debate nos acusando de “sexismo às avessas” [ou a ridícula acusação de "misandria"], como se de alguma maneira isso fosse equilibrar o problema e evitasse que você se sentisse tão desconfortável.
Sexismo deve ser desconfortável. É doloroso e enfurecedor estar no lado receptor de ataque misóginos e também doloroso assistir eles acontecendo sabendo que você está implicado nisso, mesmo sem ter escolhido. Você deve mesmo reagir quando é avisado que um grupo do qual você faz parte está ativamente ferrando com a vida de outros seres humanos, da mesma forma que você deve reagir quando um médico bate um martelinho em seu joelho para testar seus reflexos. Se ele não se mexe, algo está terrivelmente errado.
Dizer que “todo homem está envolvido na cultura do sexismo” -– todo homem, não somente alguns homens -– pode parecer uma acusação. Na verdade é um desafio. Você, homem individual, com seus sonhos e desejos individuais, não pediu para nascer em um mundo onde ser um garoto lhe daria vantagens sociais e sexuais sobre as mulheres. 
Você não quer viver em um mundo onde garotinhas são estupradas e depois são acusadas em uma corte de terem provocados seus estupradores; onde o trabalho das mulheres é mal remunerado ou não remunerado; onde nós somos chamadas de putas ou vadias por exigir igualdade sexual. Você não escolheu isso. O que você pode escolher, agora, é o que vem a seguir.
Você pode escolher, como homem, a ajudar a criar um mundo mais justo para mulheres -– e para homens também. Você pode escolher a combater a misoginia e a violência sexual onde quer que você a encontre. Você pode escolher se arriscar e gastar sua energia apoiando mulheres, promovendo mulheres, tratando as mulheres da sua vida como verdadeiramente iguais. 
Você pode escolher se levantar e dizer não -- e, todo dia, mais homens e garotos estão fazendo essa escolha. A pergunta é: você vai ser um deles?

quinta-feira, 29 de maio de 2014

GUEST POST: CONSEGUIREI ME RECUPERAR?

A M. me enviou seu relato:

Há muito tempo que eu sinto a necessidade de falar sobre as violências que me fizeram, mas me faltava a coragem. Até que há alguns meses eu comecei a ter problemas na minha relação e, há algumas semanas, conversando com uma amiga psicóloga do Brasil (vivo na Europa), eu descobri que meus problemas derivam do meu passado.
Um resumão do que me aconteceu: fui violentada cronicamente por dois anos (entre os 9 e 11 anos), depois sofri um abuso aos 17. Mas superei (acho) essas violências.
O que está atrapalhando a minha vida foi a violência doméstica que sofri com meu ex-marido.
Foi uma coisa estranha, eu não sei se você já viu algum caso parecido com o meu... o ódio do meu ex-marido era pela nossa filha, e ele tentava sempre espancá-la. Como eu a defendia, ele batia em mim.
Ele me chantageava, ameaçava... mas suas ameaças eram sempre em relação à nossa filha. Ele praticamente usava o meu amor por ela para me bater, me impedir de ir embora. Foi a pior tortura que eu vivi. Preferiria ter sido violentada outras 3000 vezes a viver o que eu vivi com ele.
Vivi 3 anos de medo, terror, e mais um monte de sentimentos ruins que nem consigo descrever. Quando pedi ajuda, ninguém me ajudou, nem a Delegacia da Mulher, porque meu ex-marido era amigo da filha da delegada.
Tive anorexia nesse período. Demorei pra me curar.
Depois eu consegui fugir dele. Conheci uma pessoa maravilhosa, ficamos juntos dois anos. Quando ele me pediu em casamento eu disse sim, mas terminei o relacionamento poucos meses antes do casamento.
Conheci outros homens, mas acabei fugindo deles assim que percebia que começavam a sentir algo por mim.
Depois conheci meu namorido. Fugi dele no começo do relacionamento também, mas depois ele acabou me convencendo a voltar. Moramos juntos há quatro anos, mas minha filha continua com minha mãe no Brasil.
Agora, porém, os documentos da minha filha estão prontos, a casa que estamos construindo ficará pronta... e eu estou enlouquecendo.
Não posso nem imaginar uma vida familiar. Enquanto isso era só um sonho (porque é algo que eu desejo muito) eu sabia lidar. Amo muito meu namorado, ele é um homem maravilhoso, mas agora que a realização do sonho está se tornando real, eu só quero largar tudo e fugir pra bem longe.
Às vezes meu namorado me leva na construção, me leva no quarto da minha filha, então me abraça e diz "enfim estaremos todos juntos" (meu namorado ama muito minha filha e ela o chama de pai). Eu consigo ter flashes de felicidade, mas eles logo são interrompidos por lembranças ruins e medo, muito medo. Então eu saio de perto dele, ou digo alguma coisa desagradável pra fazê-lo se afastar de mim. Estou destruindo minha relação.
Mês que vem começo terapia... mas às vezes eu não sei se existe muita esperança. Eu queria muito saber de você se você já viu algum caso parecido, se já viu alguém se recuperar disso. Na verdade o que desejo mesmo é saber se existe alguma esperança pra mim, porque honestamente eu acho que não existe.
Me sinto como se alguém tivesse quebrado alguma coisa dentro de mim, como se me tivessem feito em mil pedacinhos, e como se esses pedacinhos tivessem se espalhado, e como se eles, neste momento, se encontrassem já podres ou enferrujados... E então eu penso que é muito mais fácil jogar tudo fora do que tentar reconstruir alguma coisa.
Você já viu alguém se recuperar disso?

Minha resposta: M., em primeiro lugar, parabéns por ter conseguido sair do relacionamento abusivo em que você esteve.
Creio que não é muito incomum homens violentos ameaçarem os filhos para chantagear as mulheres.
É óbvio que você viveu um pesadelo horrível durante três anos, e é óbvio que isso deixa marcas. 
Você precisa ser paciente. Com a terapia, com o amor do seu namorado, com a companhia da sua filha, você vai conseguir superar isso. Me parece absolutamente normal que você esteja com medo de repetir aquele cenário pavoroso, desta vez com novos atores. Mas dá pra superar. Todo mundo só precisa compreender o que você está passando e ter paciência.
Comece já a terapia e se dê uma chance. Claro que há esperança pra você!